Uns tempos atrás eu tinha visto um hostel no Worldpackers em Cambará do Sul, quando bati o olho nas fotos, tive uma sensação forte que passaria por ali um dia. Então fiz a aplicação para a vaga achando que já era certo porém não me aceitaram e fiquei chateado.
Estava em Urubici-SC e precisava chegar em Praia Grande-SC. Esse trajeto dava em torno de 280km e tentei fazê-lo todo de carona. Saí com um dia de antecedência para 'chegar tranquilo' no próximo voluntariado.

A primeira carona que tentei foi para São Joaquim-SC, e o primeiro veículo que estendi o dedo já parou, era um caminhão. Parecia um dia de sorte. Ele iria também para São José dos Ausentes-RS que também estava na minha rota, só que ele ia carregar o caminhão em um vilarejo chamado Silvera e só depois iria para lá, chegando a noite. Preferi descer em São Joaquim mesmo e tentar uma carona para Ausentes direto. E essa foi talvez a pior escolha que fiz, pois desencadeou um perrengue gigantesco.

São Joaquim e Ausentes são ligadas por dois caminhos principais. Ambos de estrada de terra. Achei que seria fácil conseguir carona pois imaginei que eram estradas movimentadas, quando vi pelo mapa do celular. Fui para a primeira saída, fluxo de carros baixíssimo. Uma mulher parou e me aconselhou ir para a outra saída, me deu uma carona até lá.

O lugar que ela me deixou era bem afastado do centro, não tinha muitas habitações perto e eu estava sem alimento algum. O fluxo de carro achei pior que na primeira saída. Nesse momento consegui uma bolacha de sal de uns trabalhadores que conversei por ali. Não demorou e consegui uma carona que me levou mais a frente. Desembarquei em um lugar péssimo, bem mais afastado do centro. Depois de um tempo, o mesmo carro quando estava voltando para a cidade, me viu ali e resolveu tentar me ajudar me levando ao vilarejo São Francisco Xavier. Ele também me deu um saco de pão e um salame pra ajudar ainda mais.
Só que agora, eu percebi que estava muito, muito no interior e a 'rodovia' na verdade era uma estrada muito pouco movimentada. Isso devia ao fato das péssimas condições da ponte sobre o Rio Pelotas.
Pedi informações e o wifi numa escola pública desse vilarejo. Realmente, parecia que eu tava increncado com as notícias que o pessoal me passava. Ganhei um café da tarde da escola e virei atração para as crianças dali. Neste momento já estava tentando caronas para ambos os lados, pra voltar pra cidade ou seguir em frente, mas fui perdendo a esperança pois já era bem fim da tarde. O que me animava é que parecia que havia caminhões de madeira que passavam por ali as 7:00 da manhã com destino a Ausentes. Conversei e recebi autorização para armar barraca atrás da escola e passei a noite ali.

De manhãzinha com a esperança renovada tomei um pequeno café da manhã com o que ganhei e fui denovo com a plaquinha. Fluxo ainda muito baixo. Um morador do vilarejo que me reconheceu do dia anterior, me deu outro café da manhã mais reforçado e me informou que esses caminhões na verdade passavam 12:00. Desanimei denovo e tentei voltar para São Joaquim. Logo em seguida ganhei três maçãs do pessoal que veio trazer maçã pra escola, eu estava sobrevivendo só com as comidas que eu estava ganhando. As notícias não pareciam boas mas finalmente uma caminhonete parou. Dizia que iria até uma bifurcação mais a frente, resolvi aceitar, de pouco em pouco estava aproximando do meu destino. Finalmente cruzei o Pelotas e pela primeira vez na minha vida, entrei no Rio Grande do Sul.

Essa carona me levou na verdade apenas uns 12km a frente, o senhor me instruiu a caminhar uns 4km por uma outra estrada onde eu poderia conseguir carona para Ausentes com os caminhões que carregavam maçã. Como não tinha escolha, caminhei. A paisagem era linda, mas fiquei desatento pois estava incomodado com o meu destino. O único recurso de alimento, foi o que eu tinha ganhado.

Por incrível que pareça encontrei uma mercearia mais a frente que aceitava cartão, praticamente no meio do nada. Comprei um pé-de-moleque. Andei mais um pouco e cheguei no lugar onde os caminhões com sentido a cidade passariam. Eu estava mais calmo, sentei no chão, fiz uma oração braba e logo desceu um caminhão. Me preparei, fiz uma cena e ele parou, realmente ele ia para a cidade porém não teve palavra nesse mundo que convencesse esse cara a me dar carona. Ele foi 'o escolhido' pra me ajudar, mas teve medo de perder o emprego por dar carona e resolveu não arriscar. E lá se ia o último caminhão de maçã desse dia. Sim, era o último.
Agora caí num limbo, uma estrada sem-fim, sem casas, sem carros, sem esperança, sem sinal de celular e sem ter como voltar, Ausentes ainda estava a 35km a frente. Só me restava andar e assim se foi. Andei uns 14km com um mochilão de 12kg até um pequeníssimo vilarejo, chamado Harmonia. Conversei com o pessoal ali e descobri que haveria um ônibus dos colhedores de maça, no finzinho da tarde para a cidade. Também lá consegui um wifi, não quis esperar esse ônibus e resolvi chamar um táxi.
No táxi descobri que esse ônibus também iria a Cambará do Sul que estava na rota, só que bem mais a frente. Eu já estava no lugar certo, porém me rendi a frustração e não enxerguei como tudo estava se encaixando. Tive o prejuízo do táxi porém agora tinha uma informação importante.
Era umas 16:00 quando finalmente cheguei em Ausentes, um frio que assolava, me preocupava muito se fosse preciso passar a noite acampado ali. Cheguei a tentar carona pra Cambará e apesar de ser asfalto, não havia fluxo considerável de carros.
Só me restava o ônibus de Harmonia. Mandei mensagem para o taxista e ele mandou mensagem para uma amiga que viria nesse ônibus, avisando de mim.
Por fim, consegui pegar esse ônibus na cidade, quando ele chegou e deu certo de entrar foi um dos maiores alívios da minha vida. Estava cansadíssimo mas estava a caminho. Tinha um outro detalhe que o ponto final deste ônibus era à 10km de Cambará, mas eu nem tava preocupado mais com isso. Um leve sorriso ganhava forma no meu rosto. Acabei virando atração denovo, até ganhei umas 15 maçãs de um colhedor.
Quando chegamos o motorista do ônibus de Harmona ia tentar uma carona para mim com um seu conhecido, pra me ajudar a completar os 10km para chegar a cidade. Foi impressionante, deu tudo certo, eu desci do ônibus e já entrei no carro. Eu achei que ele só ia me deixar no centro só que me deixou na porta de um hostel. Eu não acreditava, era o Hostel que tinha me recusado.
Não tinha como não entrar, já era umas 21:00. Cama quente e chuveiro quente, só pensava nisso (e degustar umas maçãs também).
