NOMADISMO (Como o autoconhecimento, espiritualidade e minimalismo se mesclaram)

Passamos mais tempo de nossa evolução, como grupos nômades do que instalados em um único local. Se nossos instintos se desenvolveram por mais tempo assim, é natural que encontremos algumas consequências por vivermos em cidade. 

Na história, vemos que cerca de 10 mil anos atrás na revolução agrícola, foi o marco desse momento que saímos de caminhantes caçadores-coletores e começamos cultivar a terra, domesticar animais e construir estruturas mais sólidas.  

Nossas moléculas passaram muito mais tempo se adaptando a vida dinâmica nômade e depois alteramos nosso estilo de vida. 

Não éramos sedentários pois nos movíamos constantemente, a dieta era mais ampla por pegarmos diversos alimentos, tomávamos sol de dia, dormíamos durante a noite. Estávamos sempre atentos ao agora observando tudo a volta, seja para encontrar alimentos, seja para avistar um predador, no que resultava pouco tempo para pensar num futuro ou passado. E o mais interessante é que estávamos imersos na natureza, em vez da atual ilusão de separação. Será que a bússola da intuição já não nos guiava? Isso é o que eu imagino. 

Me parece uma grande aventura.   

Como somos descendentes do nomadismo, também é natural que viver assim hoje em dia, obtenhamos uma certa cura da estagnação e rotina causada pelas cidades. Pode ser que seja essa cura que você busca. E pense, seus instintos já foram adaptados para esse estilo de vida. 

Nossos antepassados, provavelmente eram movidos também pela curiosidade, atraídos pelo horizonte, se não fossem, não teriam se espalhados pelo planeta. Eram também seres mais sociais, perambulávamos em grupos e provavelmente nos ajudávamos. E hoje em nossas cidades, criou-se um movimento mais individualista, e nos colocam em competição uns com os outros desde a infância. Quanta cura não experimentaríamos se convivêssemos com amor uns com os outros. A depressão e ansiedade crescem a cada dia, provavelmente resultados de um mundo acelerado e complexo demais. A cura de meu próprio espírito, encontrei na simplicidade, no comer saudável, no trabalhar o corpo até suar liberando as toxinas, nas conexões reais com as pessoas, em sentar em lótus, em extirpar as crenças limitantes que fui encontrando nos 8 meses de estrada. 

Esse texto, é para você que busca algo e não sabe o que é. Como nossos antepassados, que se jogavam sem pensar tanto no que vai ser amanhã, talvez aqui esteja uma solução da inquietação: se jogar, sem planejar tanto, já que tudo é efêmero mesmo. Se você sente esse tipo de chamado, será preciso se descontruir. 

CONFIANDO NA INTUIÇÃO  

O primeiro pilar que busquei, foi me escorar na intuição, no chamado do coração. Como antes da viagem, cultivava a espiritualidade e tenho essa crença de que nada acontece por acaso e tudo segue a ordem do cosmos, abandonei tudo que estava construindo para me jogar em caminhos desconhecidos. A fé com certeza, me moveu, mas antes da viagem, também busquei elevar meus pensamentos, cuidar de mim e do meu corpo. Passei mais o menos 6 meses cocriando a viagem. Como ouvi uma vez em um vídeo de um maluco de estrada “se vibrar alto, nada baixo pode lhe atingir”. Esse item é bem pessoal.  

PLANEJAMENTO 

Meu único planejamento, foi de sair de casa sem planejamento. Mas para chegar a esse ponto, tive que me preparar com os equipamentos que ia levar, então busquei informações em vídeos de mochileiros mais experientes, do que levaria, baixei os aplicativos que me ajudariam pelo caminho. Roteiro eu também não criei, mentalizei três cidades que passaria, porém sem apego, minha mira verdadeira era simplesmente ir pro Sul. A rota se faria no caminho, e o tempo de viagem, também. 

SE JOGANDO NA ESTRADA SOZINHO 

Comecei a pedir carona praticamente da porta da casa dos meus pais, e andei uns 300km logo no primeiro dia. Claro que o medo existia, porém confiei que Deus guiaria meus passos e colocaria as pessoas certas em meu caminho. Confiei que quando as noites chegassem, eu estaria em algum lugar seguro para armar a barraca ou algum host no Couchsurfing me recebesse, ou quando estivesse com fome, a comida chegaria, ou quando precisasse de um banho, um chuveiro aparecia. Depois de uma semana nessa rotina, assinei Worldpackers pois senti uma necessidade maior de segurança, minha viagem mudou de estilo e passei a fazer voluntariados pelo caminho.  

DINHEIRO 

Eu saí com uma reserva, que me permitia gastar 15 reais por dia, durante 2 anos. Mas eu não queria depender desse dinheiro, então levei, minha flauta e algumas poesias que fiz para fazer exposição artística na rua e conseguir algum trocado. Minha ideia não era gastar com hospedagem, comida nem transporte e sim, conseguir tudo no caminho. Com a Worldpackers consegui resolver o problema da hospedagem e também da alimentação, pois às vezes já tinha alguma refeição inclusa na vaga, mas também sempre tinha a cozinha do lugar em que eu preparava minha própria comida. 

MINIMALISMO 

Também é importante falar do minimalismo, pois ele esteve presente em várias esferas. Eu comia só quando tinha fome, percebi que com apenas três refeições por dia pra mim era suficiente, e isso acabei carregando até hoje. Me preocupava em tomar um café e almoço bom, e comer algo a tarde, estava ótimo. Tentei carregar itens primordiais na mochila, mas exagerei um pouco no início, na estrada fui me desapegando de algumas coisas, o importante aqui, é carregar pouco. Mochila leve, vida mais leve, dá pra ver que precisamos de menos do que achamos. Minimalismo de informação, consistia em usar pouco o celular, principalmente as redes sociais, cortar por completo televisão. O foco apenas no que era essencial, no meu caso, era conectar com as pessoas que encontraria e com os lugares que avistaria, encontrar a medula da vida e o que é mais bonito e essencial nessa passagem pela Terra. 

AUTOCONHECIMENTO 

Eu era uma espécie de peregrino, mochileiro, artista, viajante roots, e minha viagem era apenas o resultado da minha busca pessoal. Eu estava na verdade buscando algo, que seria me conhecer, encontrar minha melhor versão e o que sou de verdade, queria ouvir e aprender com outras pessoas e também adquirir habilidades. Para isso, fiz uma escolha bem difícil, de abandonar uma faculdade na reta final. Me desconstruí por completo, para reconstruir com o que eu acreditava de verdade. E como senti forte, de seguir esse chamado do meu coração, que era simplesmente sair andando por aí, acreditei que me encontraria. Claro que minha mente racional mastigou tudo isso com muito medo e receio, para as pessoas a minha volta não faria sentido nenhum, por isso guardei meus planos comigo.  

SINCRONICIDADES 

Estamos de passagem pelo planeta, a viagem que começou no nascimento, um dia chegará ao fim. Mas o que seria de mim, sem as sincronicidades, atuando como se fossem semáforos no verde quando elas apareciam. E no início da viagem, experimentei as mais intensas de minha vida, tipo quando estava pra abrir o portão de casa para ir, toda minha vida fez sentido naquele segundo. Quando cheguei em Paraty no Rio de Janeiro, no segundo dia de viagem, lembro que estava um pouco perdido do que fazer na cidade, mas confiei que as coisas se encaixariam. Caminhei até uma pequena praça onde encontrei um homem, perguntei se poderíamos conversar, ele disse que sim, ficamos um bom tempo ali conversando e para minha surpresa, sem eu dizer nada, ele falou exatamente o nome do meu curso na faculdade e disse que meu caminho não era por lá mesmo. Saltei os olhos. Também me passou informações preciosíssimas sobre minha própria viagem. E comecei entender a magia. Em vários lugares que cheguei, quando batia o olho panoramicamente, é como se aquele momento estivesse esperando por mim e eu somente recordasse que aquilo iria acontecer. No seguimento da viagem, ainda vivi, várias situações inusitadas, tipo quando cheguei em um Hostel em Balneário Camboriú e tinha sonhado com este mesmo lugar, mais ou menos 1 ano antes de pensar em viajar. 

APRENDIZADO 

E o que aprendi com tudo isso? Compreendi que o que eu estava buscando, se encontrava no agora, o único ponto de interseção com a vida que existe, é estar presente no agora. Descobri que eu sempre soube o que gostava, mas fui sufocando com os anos essas vozes, esses dons e talentos. Encontrei minha criança interna, quietinha lá no fundo e a fiz sorrir novamente. Perdoei todas as pessoas do meu círculo, e principalmente a mim próprio. Percebi que meu passado foi totalmente necessário para me tornar a pessoa que sou hoje e então, iniciei um processo de aceitação que ainda trabalho.

Mas sinto que o nomadismo nunca deixou de existir, hora ou outra aparece um adepto e o movimento ganha força, espíritos rebeldes que anseiam descobrir mais sobre si mesmos, o mundo a sua volta e sobre relações humanas reais. O estilo também une a simplicidade “roots” com a tecnologia, o celular se torna uma ferramenta muito útil com mapas, bússola, câmera a uma infinidade de aplicativos amigos. E junto a pandemia, o Home Office se expandiu, e vejo que apenas uma virada de chave separa o trabalho em “casa”, para o trabalho em qualquer lugar com acesso à internet, muitos já perceberam esse movimento e acredito que se tornará algo cada vez mais comum. Os nômades do passado, se moviam querendo tocar o horizonte, pelo que imagino, e os atuais querem a liberdade geográfica, pular de cidade em cidade, se envolvendo com a cultura, acessando trilhas inimagináveis, encontrar oportunidades em cada lugar que esteja, conhecer pessoas e aprender. De cravar uma cicatriz na sua alma de cada imersão experenciada, exercer quem são em cada canto, se chocando em outros universos e ver a alteração causada em seu próprio. E nesse processo todo, de simplesmente se tornarem pessoas com uma carga maior, não de mochila, mas de completude. Como diz na música do Forfun, “a aprendizagem é a única bagagem levada”. 

Depois seguimos. 

Para outro sistema solar.